“Nunca em minha vida pedi a Deus sucesso, sabedoria, poder ou fama. Eu pedi alumbramento. E ele me concedeu.” - Abraham Joshua Heschel
Música é, basicamente, ar vibrando. O som é uma onda mecânica que viaja pelo espaço e vibra em certas frequências, que determinam as notas. O timbre da música, ou seja, a característica que distingue o som de um violão do som de uma voz humana do som de um oboé, é determinado pela forma da onda do som. Isso me fascina, não por gostar de estudar física e acústica, mas porque uma coisa tão simples como o ar vibrando pode produzir algo tão maravilhoso e complexo como a música. Ao mesmo tempo, uma coisa tão complexa como o estudo da propagação do som pode se traduzir em algo tão simples e direto como uma canção.
Eu tenho um fone bom que amo muito. Ele me acompanha por todo canto e, de vez em quando, algum som novo me chama atenção e eu fico rindo sozinho, maravilhado com a criatividade e a inventividade dos artistas. São as mesmas notas que ouvi minha vida inteira, mas os timbres e as combinações de sons são tão diversas e novas que eu continuo me maravilhando, levando bons sustos com sons que eu nunca tinha ouvido ou sequer imaginava ouvir. Dei gargalhadas de surpresa neste ano ouvindo o novo álbum da Rosalía, uma artista que desafia convenções e mistura gêneros como uma criança brincando com massinha.
A música é maravilhosa, impressionante, como toda a criação de Deus é. Todas as coisas são infinitamente complexas em seus níveis mais profundos, mas também simples em mostrar amor, beleza, verdade e criatividade. O apóstolo Paulo, na sua carta aos cristãos de Roma, diz que “desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas” (Rm 1:20). Deus colocou seu amor, poder e beleza em toda sua criação, e isso está visível para nós em todo e qualquer lugar que olhamos.
Por que, então, não vemos o caráter de Deus? Por que passamos a vida de maneira tediosa, sem empolgação e alumbramento? Por que não nos impressionamos constantemente com a criação de Deus e seu caráter revelado nela?
O filósofo inglês G.K. Chesterton tem uma hipótese:
“As crianças têm uma vitalidade abundante, são impetuosas e livres de espírito, e portanto querem as coisas repetidas e inalteradas. Elas sempre dizem “Faz de novo”; e o adulto faz de novo até ficar quase morto. Os adultos não são suficientemente fortes para exultarem na monotonia.
Mas talvez Deus seja suficientemente forte para exultar na monotonia. É possível que Deus diga ao sol todas as manhãs: “Faz de novo”, e diga à lua todas as noites: “Faz de novo”. Pode ser que não seja uma necessidade automática que faz todas as margaridas iguais; pode ser que Deus faça cada margarida separadamente, mas não se canse de criar cada uma delas em particular. Pode ser que Ele tenha um eterno apetite de infância; pois nós pecamos e envelhecemos, e nosso Pai é mais jovem do que nós.”
O pecado nos leva a relevar as maravilhas do cotidiano. Começamos a viver sem olhar para o lado, para cima ou para baixo, sem prestar atenção ou aproveitar tudo que está aqui para nosso deleite. O mundo fica cinza e vivemos sem parar para olhar nada. A contemplação não é produtiva, não me ajuda a ir onde quero chegar.
Nós perdemos nossa capacidade de alumbramento que tínhamos como crianças. Não temos mais a força para exultar na monotonia e no cotidiano. O grande perigo é acreditar que realmente existe monotonia, e que existem partes da criação de Deus que são menos inspiradas e interessantes do que outras. É um mundo todo de descobertas e experiências que deixamos de lado em prol do “progresso”, do “trabalho”, do “sucesso”, da “realização pessoal”.
Faço coro ao rabino Heschel: SENHOR, me dê alumbramento. Me dê olhos e coração de criança. Me ajude a ter o eterno apetite de infância. Por favor, que eu não perca a capacidade de me maravilhar.
Um dos meus grandes alumbramentos deste ano foi conhecer sua escrita, Eduardo. Que Deus continue lhe usando e revelando Seu amor através dos textos que você escreve.
"...Pode ser que Ele tenha um eterno apetite de infância; pois nós pecamos e envelhecemos, e nosso Pai é mais jovem do que nós...”
Deixem vir à mim as crianças, pois o Reino dos Céus pertence aos que são semelhantes a elas...
Que beleza!
Obrigado por compartilhar e me fazer me lembrar de tentar reparar mais na beleza da vida comum.