Fazendo amizade com meus fantasmas
Sobre brincar de esconde-esconde com Deus + aproveitem o Carnaval!
Desendoidecendo versão pocket enquanto arrumo minha mala pra ir acampar. Nossa família e alguns amigos queridaços vamos passar o feriado numa praia em Ubatuba, acampando sem energia elétrica. Ótimo motivo para fugir da internet, do meu feed do Twitter, das empolgantes notícias vindo do Judiciário, de vocês (com todo respeito), do trabalho e até de mim mesmo, ou pelo menos daquela parte péssima de mim mesmo que existe só para os olhos virtuais cobiçarem, o showzinho que eu faço para parecer alguém legal e justo, coisas que estou longe de ser.
Sabe de quem eu não vou estar me escondendo?
“Não dá pra brincar de esconde-esconde com Deus”, canta Ana Paula Valadão (nos anos A.B. [antes de Bolsonaro], o sobrenome Valadão era motivo de grande alegria para mim) nesse clássico gospel infantil. Mesmo ouvindo essa música há uns 18 (?) anos, eu pareço não entender a mensagem e continuo tentando. Tento fugir pela minha persona virtual ou pelo meu trabalho, achando que poderia fazer alguma coisa boa longe dAquele que dá tudo que é bom. É idiotice, mas uma na qual eu não estou só: é o pecado de todos nós, achar que podemos ser senhores da própria vida.
No Salmo 139, o poeta diz:
É impossível escapar do teu Espírito;
não há como fugir da tua presença.
Se subo aos céus, lá estás;
se desço ao mundo dos mortos, lá estás também.
Fugir não faz sentido quando Deus me persegue aonde quer que eu vá, seja no melhor ou no pior lugar. O que muitas vezes ouvi de moralistas e legalistas na minha infância (“seu anjo fica do lado de fora quando você entra num lugar ruim/balada”) não poderia ser uma bizarrice maior. A Bíblia deixa muito claro que o Espírito está junto na saúde e na doença, nas ruas de ouro e no vale da sombra e da morte. E quem disse que a balada é o vale da sombra e da morte, né? [Se estiver tocando Alok, talvez seja]
Posso tentar esconder tudo que há de ruim em mim, como faço na internet e aqui nessa newsletter, de certo modo. Mas o Deus que nunca se afastou de mim, que sabe tudo que já fiz, todos os vales que já cruzei, escolhe continuar comigo. Mais que isso: escolhe continuar me amando.
Esse Espírito que persegue não é um stalker de quem tenho que ter medo, um vigia anotando meus tropeços. O que me segue é “a bondade e o amor” (Sl. 23), todos os dias da minha vida. Não importa a minha história, tudo que eu posso querer esconder de Deus e dos outros. Ele me ama por completo. Ele sabe, Ele viu, mas mesmo assim Ele me ama por completo.
James K.A. Smith no excelente livro Como Habitar o Tempo:
Nas mãos desse artista, todas as minhas fraquezas são potenciais pontos fortes, as proverbiais rachaduras que deixam a luz entrar. Até meus pecados e dificuldades contêm a possibilidade de compaixão e simpatia.
[…]
A graça de Deus possibilita que eu me torne amigo até de meus fantasmas.