Bendito seja o Senhor, o teu Deus, que se agradou de ti e te colocou no trono de Israel. Por causa do amor eterno do Senhor para com Israel, ele te fez rei, para manter a justiça e a retidão. [Rainha de Sabá para Salomão, 1 Reis 10:9]
Em Deuteronômio, Moisés comunica o desejo de Deus para o futuro político do povo de Israel, saindo do deserto e entrando na terra prometida. O povo não deveria ter um rei, mas Deus já sabia que eles iam querer ser como os outros ao redor. Portanto, algumas regras precisariam ser respeitadas.
Esse rei, porém, não deverá adquirir muitos cavalos, nem fazer o povo voltar ao Egito para conseguir mais cavalos, pois o Senhor lhes disse: "Jamais voltem por este caminho".
Ele não deverá tomar para si muitas mulheres; se o fizer, desviará o seu coração. Também não deverá acumular muita prata e muito ouro.
Quando subir ao trono do seu reino, mandará fazer num rolo, uma cópia da lei, que está aos cuidados dos sacerdotes levitas para o seu próprio uso. Trará sempre essa cópia consigo e terá que lê-la todos os dias da sua vida, para que aprenda a temer o Senhor, o seu Deus, e a cumprir fielmente todas as palavras desta lei, e todos estes decretos.
Isso fará que ele não se considere superior aos seus irmãos israelitas e a não se desvie da lei, nem para a direita, nem para a esquerda. Assim prolongará o seu reinado sobre Israel, bem como o dos seus descendentes.
Não ter cavalos, não ter muitas mulheres, não acumular prata e ouro. Ler a lei de Deus e não se achar superior aos outros israelitas. Parece fácil.
O que acumular cavalos, mulheres e dinheiro tem a ver com política?
O cavalo não era um meio de transporte, mas sim uma arma de guerra. O rei de Israel não deveria reforçar seu exército e confiar na violência como meio para resolver seus problemas.
Mulheres não eram só esposas, eram tratados políticos. Os reis casavam entre si para manter relações de amizade e cooperação. O rei de Israel não deveria se associar aos outros reinos opressores da região.
Dinheiro é dinheiro, ué. O rei não deveria se enriquecer às custas do povo e aumentar a desigualdade em Israel.
Toda a ideia era não “voltar para o Egito”. Israel seria diferente dos seus opressores. Esse era o sonho de Deus para o seu povo.
Agora, Israel tem reis. Saul e Davi foram violentos, e não cumpriram muito bem as estipulações de Deus para seu povo. Mas agora o povo podia ter esperança: Salomão chegou.
A história que sempre se conta sobre Salomão, que faz ele merecer a alcunha de “homem mais sábio que já viveu”, está em 1 Reis 3. Quando Deus fala “peça-me o que quiser, e eu lhe darei”, o filho de Davi não hesita, e pede sabedoria e discernimento para governar e distinguir entre o bem e o mal.
Deus se agradou do pedido de Salomão, e aproveitou para lhe dar todo o resto, como riqueza e fama.
Se você só presta atenção na superfície da história, Salomão é o melhor rei que Israel já teve. Imagina algum político pedir sabedoria para governar? O Brasil precisava de alguns assim.
Porém, desde o início do capítulo 3, o autor já está dando dicas de que a história não é tão bonita assim.
Salomão se casou com a filha do faraó, o rei do Egito — o país que oprimiu seu povo, escravizando-os por quatro séculos. Não seria seu primeiro casamento de interesse: ele fez isso mais 699 vezes. Sim, Salomão casou com 700 princesas. Isso te lembra alguma coisa? Talvez a ordem de que o rei não deveria ter muitas mulheres?
Ok, strike um. Mas ainda há esperança para Salomão, certo?
Ele ajuntou 12 mil cavalos para si. Não só isso, ele construiu as cidades de Hazor, Megido e Gezer para servirem como bases militares. Strike dois.
Pelo menos ele não acumulou prata e ouro, certo?
Errado. Todos os anos, ele coletava mais de vinte e três toneladas de ouro como imposto, e isso só do povo. O valor que ele arrecadava com seu império comercial é desconhecido por nós. Salomão foi o homem mais rico da Bíblia.
Como ele conseguiu essa fortuna é a pior parte. Em 1 Reis 9:15, o texto bíblico fala com todas as palavras como Salomão construiu o templo de Deus, seu palácio e suas bases militares: com trabalho forçado.
O povo de Israel foi escravo durante 400 anos no Egito. Salomão, sabendo disso, usa a escravidão para marcar não só sua riqueza e sua força, mas também sua religião.
O templo de Deus, que Davi não quis construir por ter entrado em muitas guerras durante a vida, foi construído por escravos.
Salomão desobedece, uma por uma, todas as regras de Deus para um rei de Israel. O que deveria ser o reino por meio do qual o Senhor agiria na Terra vira outro Egito, outro centro de opressão. A sabedoria foi usada para o mal.
Quando a rainha de Sabá vai visitá-lo, Salomão tem a oportunidade de ser uma testemunha e mostrar como deve ser o reino de Deus na Terra. Ao invés disso, ele mostra riquezas construídas em cima da exploração e da escravidão.
A rainha, olhando isso, faz o que parece um elogio para Salomão, o verso que abre esse texto. Mas ela nunca elogia ele diretamente. Ela está falando de Deus, e ela relembra o rei daquilo que ele tinha se esquecido: Deus “te fez rei para manter a justiça e a retidão”.
O reinado de Salomão serviu para dividir o povo e recriar a opressão que Israel sofreu quando estava no Egito. Os oprimidos se tornaram os opressores. Ele pode ter sido sábio para várias coisas, mas ele se esqueceu da principal: um servo de Deus governa pela libertação. O reino de Deus subverte o funcionamento de qualquer reino terreno. Ninguém é maior que ninguém, nem mesmo o rei.
Salomão pode ter sido um homem muito rico e inteligente. Mas ele definitivamente não foi um rei de acordo com o coração de Deus.