“Não se achou quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser este estrangeiro?” - Jesus (Lc. 17:18)

Eu ouvi a história de Lucas 17:11-19 muitas vezes quando era pequeno. Dez leprosos pediram para que Jesus os curasse. Depois que os sacerdotes confirmaram a cura, só um voltou para agradecer o Mestre. Lembro que já até fiz parte de um teatrinho onde me encheram de gaze e esparadrapo e eu fui o leproso que voltou para agradecer. Mas eu tinha me esquecido da parte mais importante da história: o leproso que voltou para agradecer era samaritano.
Essa informação não é por acaso. Quando o autor bíblico cita nacionalidade, profissão, traço de aparência, qualquer coisa do tipo, o leitor deve prestar atenção e entender o que a informação representa, não aceitar só como um pedaço de trivia e cultura inútil. Se está no texto, é importante. Se o autor resolveu gastar tinta e pena para escrever isso, é importante. E, agora que eu estou relendo os evangelhos pela primeira vez em uns dois anos, eu percebo essas informações sobre raça, classe social e profissão aparecendo sempre, e o que para o leitor do século XXI pode ser só uma palavra estranha que não existe mais, para o leitor da época podia ser motivo de choque e escândalo.
Os samaritanos não eram só estrangeiros. Eles eram inimigos. Samaria era a capital do reino de Israel, que se separou de Judá na época de Salomão. Os samaritanos se afastaram mais e mais da religião de Abraão, e por isso os judeus os condenavam como impuros, traidores, pessoas que deixaram a família e a aliança com Deus. Então, quando o evangelista escreve que aquele que voltou para agradecer era um samaritano, essa não é uma informação inútil. Ele já fazia parte de um dos grupos mais segregados e desprezados da sociedade, os leprosos. Samaritano ainda por cima? Ele não era só estrangeiro, de fora, mas também era visto pela cultura, pela sociedade e pela religião como indigno de fazer parte.
Jesus não se guia pelas nossas categorias e pelos muros que colocamos entre nós. Na verdade, durante os evangelhos Ele aparece constantemente fazendo de tudo para reduzir esses muros a pó, falando com estrangeiros, pecadores, mulheres e traidores do povo. E, no caso dos leprosos, o pecador indigno foi quem se mostrou mais próximo de Deus ao voltar para dar glória a Deus. O samaritano sujo não só foi curado nesse dia, mas também foi salvo. A Bíblia não diz o mesmo sobre os outros.
Troque samaritano por travesti. Golpista. Homossexual. Adúltero. Viciado em drogas. Comunista. Aqueles que nós excluímos hoje de nossas comunidades por causa de rótulos e muros construídos pelas nossas próprias mãos podem estar mais próximos de Jesus do que nós, que nos consideramos cristãos, evangélicos, homens e mulheres de grande fé.
Se o Evangelho fosse escrito hoje, se Jesus vivesse em São Paulo, não teríamos “samaritanos”. Mas você pode apostar que teríamos muitos e muitas que não são acolhidos pela religião institucional, mas que seriam alvo do amor e do abraço de Jesus. “Sua fé salvou você”, diz Ele, para o mendigo que nunca entraria num dos templos milionários onde os crentes se reúnem. O que será que Ele diria para nós que estamos lá dentro?
Imagino ele, o mais indigno dos indignos, tentando entender por que o milagre do judeu pegou nele também. Graça sobre graça. Quem muito foi perdoado, muito amará.