Ontem eu passei cinco horas no cinema. Foi uma delícia. Assisti “Ao caminhar entrevi lampejos de beleza” (2000), do cineasta (ou filmador, como ele preferia) Jonas Mekas. Lituano, ele sobreviveu aos campos da Segunda Guerra Mundial e se mudou para os EUA em 1949, onde desenvolveu sua carreira na vanguarda do cinema experimental norte-americano.
No filme que vimos ontem, a obra-prima do Mekas, ele mistura 30 anos de filmagens caseiras para mostrar a beleza e a grandeza dos momentos aparentemente insignificantes e pequenos da vida. É uma coisa linda, de verdade.
Ele interage com as imagens como narrador, refletindo sobre a vida e a importância da família, das amizades e do amor. No meio dos vídeos caseiros que mostram sua esposa e seus dois filhos, aparecem alguns pedaços de papel com texto, como “esse é um filme político”, “esse é um filme onde nada acontece” ou o cartão que abre esse post, “toda ação deveria ser uma prece, disse a voz”.
O rabino Abraham Joshua Heschel dizia que nós oramos para trazer Deus para o mundo, para que haja mais de Deus no mundo. Por isso, ele dizia que podemos orar com o corpo e com tudo que fazemos quando temos consciência da presença de Deus.
Quando li aquela frase no filme do Mekas, o rabino Heschel me veio na cabeça imediatamente. Quando ele marchou com Martin Luther King Jr. pelo fim da segregação racial nos Estados Unidos, ele disse que estava rezando com os pés. Tudo é uma oração quando você coloca sua mente e coração nisso. Deus está aqui, eu estou vivendo por meio dEle e Ele pode habitar a Terra por meio de mim. É isso que significa dizer que o ser humano é um templo.
O Mekas e o Heschel me lembraram outro grande pensador, talvez o mais influente no mundo ocidental e na minha vida: o apóstolo Paulo. Em Colossenses 3:17, ele escreve que “tudo o que fizerem, seja em palavra ou em ação, façam-no em nome do Senhor Jesus, dando por meio dele graças a Deus Pai”. No fim do capítulo, ele ainda fala que tudo que fizermos deve ser feito com a dedicação, o esmero e o coração que teríamos se estivéssemos fazendo aquilo para Deus. Porque, no fim, nós estamos.
Mesmo nas coisas mais minúsculas e insignificantes, tudo aquilo que fazemos para outro ser humano, estamos fazendo para Deus. Todo ato em serviço dos pequeninos e oprimidos é um ato em serviço de Jesus. Todo pecado contra um irmão ou irmã é, além disso, um pecado contra Deus e sua lei.
Tentamos encaixar Deus nas grandes áreas da nossa vida. Queremos nos dedicar a Ele com nossas profissões, nossos projetos e nossos relacionamentos. E isso é maravilhoso! Mas Deus não está só nas coisas grandiosas e significantes! Devemos fazer isso e mais! Toda ação, todo pequeno momento insignificante, pode ser uma prece de gratidão e louvor. Em 1 Coríntios 10, Paulo escreve que “quer vocês comam, bebam ou façam qualquer outra coisa, façam tudo para a glória de Deus”.
Os momentos importantes e significantes são minoria na nossa vida. A escritora americana Annie Dillard dizia que “como passamos os nossos dias é, é claro, como vivemos as nossas vidas”. Uma vida não é composta de vitórias e derrotas, de grandes momentos que vão te marcar para sempre. Nossa vida e, portanto, nosso relacionamento com Deus, são vividos na banalidade do dia a dia, nas pequenas ações. Triste é a pessoa que olha para aquilo que é banal e pensa “nada para ver aqui”. Aí está nossa vida. Que possamos vivê-la para a honra e glória de Deus.