Toda verdade é a verdade de Deus

Sobre ter o olhar atento para enxergar a presença de Deus

Foto de pôr do sol que eu tirei em Poços de Caldas no ano passado com um daqueles apps de câmera analógica. Deus estava ali.

“Eu sou o caminho, a verdade e a vida” - Jesus em João 14:6

Eu tenho um grupo só comigo no WhatsApp. Uso ele de agenda, de depósito de ideias e de diário de vez em quando. Uma mensagem bem antiga desse grupo traz a seguinte frase: “meu coração transbordou de alegria por causa de uma combinação de Bíblia, amigos e amor”. Eu não lembro o que aconteceu nesse 28 de outubro (devia ter escrito na mensagem), mas lembro perfeitamente do sentimento que me levou a escrever isso: coração transbordando de alegria. Transcendência. Segurança e bondade. Tudo em harmonia. Vida em abundância. Vida de verdade.

Nesses momentos sagrados da vida, a gente consegue sentir que existe algo muito maior rolando aqui além do que conseguimos sentir e ver. Nos Salmos, lemos Davi cantando que “do SENHOR é a terra e tudo o que nela existe” (24:1). Ele ainda pergunta “para onde eu poderia escapar do teu Espírito? Para onde fugir da tua presença?” (139:7). Deus está aqui. A Terra é dEle e sua presença a preenche. Realmente, algo muito maior está acontecendo nesses momentos transcendentes: Deus está presente.

E por Deus estar presente, a verdade e a vida de verdade também estão. Na carta a Tito, o apóstolo Paulo cita um profeta cretense e afirma que “o testemunho dele é verdadeiro” (1:13). Paulo, por entender que o mundo está encharcado da presença de Deus, que é a própria verdade, também entende que a verdade não é monopólio da sua religião ou do seu povo. Não é a única vez que Paulo faz isso: ele também cita poetas gregos que estavam falando de deuses gregos e ressignifica as palavras deles para que fossem sobre o Deus de Paulo (Atos 17:28). O apóstolo reivindica a verdade deles para ele, porque é verdade. E se é verdade, é de Deus. Como o próprio Paulo escreveu: “tudo é vosso… e vós de Cristo, e Cristo de Deus.”

Voltando para algo que conversamos na semana passada, se algo é verdadeiro, santo, correto, puro, belo, virtuoso, digno de louvor e de boa reputação (Fl. 4:8), então esse algo deve ser reivindicado por nós. Porque tudo isso é de Deus. E o que é de Deus, é nosso. O filósofo Arthur Holmes disse que “toda verdade é a verdade de Deus”, porque essa é a única categoria de verdade possível. Toda verdade é a verdade de Deus, mesmo que eu me depare com a verdade fora das caixinhas onde tentaram prender Deus, fora das cercas onde tentaram conter sua presença. 

A história é antiga, mas continua se repetindo: jovem cristão vai para a universidade e acaba deixando a fé para trás porque ele encontrou coisas que eram verdade e, pasmem, não se encontravam na Bíblia ou em sua tradição religiosa. Professores apresentam coisas verdadeiras, corretas, puras, belas e dignas de louvor, mas ele não pode aceitar porque não aprendeu isso na igreja. 

Este tipo de coisa não deveria ser um problema entre nós! Nosso Salvador se apresenta como o caminho, a VERDADE e a vida! Onde encontrarmos verdade, ali estará o caminho e a vida! Onde tem verdade, tem Jesus! Nossa fé não deve ser excludente e limitada. Cremos em um Deus que inclui e que é infinito; por que não refletimos isto em nossa prática?

Tudo dá errado quando tentamos limitar onde Deus se faz presente e onde a verdade pode ser encontrada. Criamos rótulos, fazemos da palavra “cristão” um adjetivo e não um substantivo. Definimos qual música é cristã, qual filme é cristão, qual livro é cristão, até qual lugar é cristão. Não importa se a música é ruim e clichê, se o filme é um desastre cinematográfico e se o livro contém várias coisas que não são verdade: um cristão precisa gostar e aceitar, porque aquele conteúdo midiático é “cristão”.

Cristão é um seguidor de Jesus. Filmes e livros não conseguem seguir Jesus. O filósofo Hans Rookmaaker argumentava como não fazia sentido dizer que algumas peças de Bach eram “cristãs” e outras não. Se o compositor alemão era um cristão, então tudo que ele fazia era em nome de Jesus (Cl. 3:17), não só certas coisas. Tudo que fazemos nesse mundo é em nome de Jesus.

O rabino Abraham Joshua Heschel dizia que nós oramos para trazer Deus para o mundo, para que haja mais de Deus no mundo. Por isso, ele dizia que podemos orar com o corpo e com tudo que fazemos quando temos consciência da presença de Deus. Tudo é uma oração quando você coloca sua mente e coração nisso. Deus está aqui. E eu estou vivendo por meio dEle.

Quando eu rotulo algo de “cristão”, estou correndo o perigo de desligar minha mente e coração, meu discernimento, e só aceitar tudo que me derem. E, infelizmente, existem coisas que, mesmo com esse rótulo, não são verdadeiras, mas foram deturpadas e estão longe do que Deus proclamou bom. Existem coisas “cristãs” que simplesmente não são verdade.

Ser um cristão que entende que Deus está presente no mundo, então, é estar sempre testando tudo, engajando o discernimento que aprendemos com a Palavra de Deus para entender onde se encontra o Caminho, a Verdade e a Vida (talvez em lugares que não esperamos) e onde a morte está disfarçada de bem. É senso crítico. Paulo, novamente, escreve que devemos examinar tudo e reter o que é bom (1 Ts. 5:21). É usar nossos olhos para enxergar Deus onde outros não vêem, e então apontar e mostrar a descoberta. 

Seguimos Jesus não porque o cristianismo é a melhor religião, mas porque Jesus nos leva para a realidade suprema, para a vida de verdade. Jesus sustenta a existência com sua presença e nos mostra como podemos nos conectar com Aquele que é verdadeiro e puro e belo e correto e digno de louvor: Deus. 

Volto para a mensagem de WhatsApp: Deus me concedeu a graça de poder enxergar a verdade nos meus amigos naquele dia. Deus estava lá. E, quando eu percebi… cara, ninguém segura essa alegria. 

SENHOR, me ajude a estar consciente de sua presença e de sua verdade aonde quer que eu vá, no que quer que eu faça, com quem quer que seja que eu esteja. Que eu possa enxergar seu amor e seu caminho em livros, músicas, filmes, pôr do sóis*, refeições, lugares e pessoas. Especialmente pessoas. Que eu possa entrar na sua vida, que é a vida de verdade, e que eu tome parte do seu Reino aqui de maneira plena. Que tudo seja uma oração, e que os momentos em que meu coração esteja transbordando de alegria sejam frequentes porque o SENHOR está presente, e isso é tudo. Amém. 

*isso parece errado. Qual é o plural de pôr do sol?

Este texto é basicamente uma paráfrase de um dos meus capítulos favoritos de um dos meus livros favoritos, “Velvet Elvis” do Rob Bell. Eu me empolguei lendo de novo, tentei encaixar muitas das ideias que ele apresenta num espaço bem menor e acho que ficou um pouco confuso. Na minha cabeça faz sentido, mas estou com uma dúvida cruel de que talvez só esteja fazendo sentido nela. Se esse for o caso, vamos conversar sobre! Se não for, bora conversar, também!

P.S.: a ideia do Heschel sobre oração eu peguei da palestra da filha dele, Dra. Susannah Heschel, na ibab. A ideia de Rookmaaker sobre arte cristã vem de um livro bem legal dele chamado “A arte não precisa de justificativa”. Recomendo!