“a nossa velha natureza foi crucificada com ele, para que o corpo do pecado seja destruído, e não sejamos mais escravos do pecado.” (Romanos 6:6)
Em João 8, Jesus está conversando com alguns judeus que tinham crido nEle. Ele fala que os discípulos dEle permanecem em sua palavra, e assim conhecem a verdade, que é uma ferramenta de libertação. Os interlocutores de Cristo não parecem estar muito interessados em serem libertos. “Somos descendência de Abraão e jamais fomos escravos de ninguém”, respondem eles (uma resposta um pouco bizarra, tendo em mente que o povo de Israel foi escravizado pelo menos duas vezes no Primeiro Testamento). Do que eles vão ser livres? Que liberdade é essa que Jesus está oferecendo?
Ele explica: “todo o que comete pecado é escravo do pecado”. Nossa relação com o pecado é essa: escravos cativos. O pecado, que mais do que um conjunto de ações erradas, é uma condição de existência, e uma da qual não conseguimos escapar, pelo menos não sozinhos. É impossível pagar sua alforria se seu explorador não te paga pelo seu trabalho. É impossível se libertar dos grilhões com mãos e pés amarrados. Precisamos de alguém para nos ajudar.
Nessa semana, me deparei com uma definição antropológica de escravidão que acho que pode ajudar muito a entender como atua a escravidão do pecado. Segue um pedaço do livro “O despertar de tudo: uma nova história da humanidade”, de David Graeber e David Wengrow:
O que diferencia um escravizado de um servo, um fâmulo, um cativo ou um recluso é a ausência de laços sociais. Pelo menos em termos jurídicos, o escravizado não tem família, nem parentela, nem comunidade; não pode fazer promessas nem criar laços duráveis com outros seres humanos. É por isso que o termo free [livre] em inglês deriva, na verdade, de uma raiz que significa friend [amigo]. Os escravizados não podiam ter amigos porque não podiam assumir compromissos com terceiros, pois estavam integralmente sob o poder de outra pessoa e sua única obrigação era fazer o que seu senhor ordenava. Se um legionário romano fosse capturado em combate e mantido como escravizado, mas depois conseguisse escapar e voltar para casa, ele precisava passar por um elaborado processo para restaurar todas as suas relações sociais, inclusive casando de novo com a esposa, por se considerar que, ao ser escravizado, todas as relações anteriores haviam sido cortadas. O sociólogo caribenho Orlando Patterson refere-se à escravidão como um estado de “morte social”.
A escravidão impede o escravizado de ter laços sociais. Ela corta aquilo que há de mais básico ao ser humano, que é a possibilidade de viver coletivamente com quem escolher, a característica gregária da espécie. Não há relacionamentos de amizade ou amor, onde você não espera nada em troca, porque seu único relacionamento é um de abuso e exploração com seu “dono”.
O pecado, também, produz um tipo de “morte social”. Quando vivemos nessa escravidão, todos os laços sociais, todos os relacionamentos são contaminados pela lógica do pecado. Eu não consigo mais me associar a um irmão humano sem pensar no que vou ganhar em troca e em como posso me aproveitar da situação. É isso que o pecado faz: te escraviza e te prende numa torre onde só você importa, e mais ninguém. Te afasta das pessoas, te afasta da ideia de coletividade, nos isola e contraria a primeira afirmação de Deus sobre o ser humano: não é bom que ele esteja sozinho.
Se libertar da escravidão do pecado e escolher viver para a justiça, com Deus, até pode ser uma escolha individual, mas é uma ação com impacto coletivo. Eu passo a viver para os outros, e saio da escravidão horrível de pensar só em mim, de não ter nenhum laço social verdadeiro, de viver sozinho no meio de milhões de pessoas. Não dá para viver sozinho. Por isso mesmo, o salário do pecado é a morte (Romanos 6:23). Agora, quando conheço a verdade sobre a vida e sou liberto da escravidão do pecado, encontro a vida eterna. É impossível vivê-la sozinha, porque ela pode ser encontrada em relação com outra pessoa: Jesus.